20/03/2025

Cine PE encerra competição com relatos em primeira pessoa

Recife-No último dia de exibição de curtas e longas concorrentes à premiação, o destaque foi o documentário Geografia afetiva, um diário intimista em primeira pessoa em que a diretora gaúcha estreante Mari Moraga revisita as memórias de sua família, expondo cicatrizes da própria atribulada história política da América Latina, particularmente a guerra civil de El Salvador nos anos 1980. A premiação do festival ocorre nesta noite de terça (11), a partir das 19h.
A guerra em El Salvador, que custou a vida de milhares de pessoas - estima-se 80.000 vítimas -, provocou também uma imensa diáspora, inclusive da família Moraga. O pai de Mari, Luis, veio parar no Rio Grande do Sul, enquanto seu próprio pai e parte de seus irmãos se refugiavam no Canadá. Pelo menos duas irmãs ficaram em El Salvador, onde sofreram violências de grupos paramilitares, mas tiveram a sorte de sobreviver.

Um primo de Mari traz o relato mais surreal, dando conta de como, muito pequeno, ia para a escola maternal sempre acompanhado de uma guardiã, que cobria seus olhos quando se deparavam com cadáveres no caminho - o que era frequente, inclusive corpos de crianças. Os pais dele, ameaçados pelos paramilitares, haviam abandonado o país, deixando o menino, naquela altura um bebê de um mês, entregue aos cuidados da avó. O contato com os pais só foi retomado vários anos depois.

Se o filme tem o mérito de trazer essa história mais perto de nós, também é verdade que, em alguns momentos, sucumbe a um certo subjetivismo que teria sido melhor dominar um pouco na narração feita pela diretora. Mari Moraga contou na coletiva que chegou a cogitar incluir no filme trechos de arquivos, contextualizando a guerra em El Salvador, mas abriu mão disso numa “opção pela oralidade”. Ela acredita, e tem bastante razão, que falar da própria minha família também foi uma forma de ecoar outras experiências. Bem como de levar o pai a abrir-se sobre esse passado conturbado, do qual ele não falava muito, exceto pelas memórias de infância. O episódio traumático de um tiro, relatado no documentário, foi também conhecido pela filha depois de adulta.

De todo modo, são muito oportunos os temas da reconstituição das memórias e da depuração do luto - a morte da mãe brasileira da diretora é que dá o gatilho a esta jornada pelo continente americano, que aborda um dos aspectos fundamentais de sua própria identidade, a instabilidade política, um aspecto a nunca descuidar.

Curtas

Da mesma forma que o longa, os três curtas exibidos na noite tiveram mulheres na direção: Cacica, a força da mulher xavante (MT), de Jade Rainho, codirigido pela carismática personagem do filme documental, a cacica Carolina Rewaptu; Vermelho-oliva, de Nina Tedesco (RJ), um documentário sobre as reflexões da diretora, professora universitária e sindicalista, sobre seu avô, um militar e professor da Academia das Agulhas Negras durante a ditadura militar; e a animação Guaracy, de Eliete Della Violla e Daniel Bruson (SP), uma criativa animação em stop motion a partir de texturas de papel sobre a figura do avô da diretora Eliete, um policial aposentado e músico diletante.