Documentário “Invisível” retrata a autonomia de um casal surdocego
- Por Neusa Barbosa, do Recife
- 10/06/2024
- Tempo de leitura 3 minutos
Recife - Parece a negação do próprio cinema: focalizar num documentário dois personagens surdocegos. No entanto, Invisível, dos diretores Carolina Vilela e Rodrigo Hinrichsen (RJ), supera o desafio, realizando um filme que leva o público que não sofre dessas deficiências a descobrir as formas como um casal, Sofia e Carlos, percebem o mundo sem dispor nem da visão nem da audição.
Tanto como outro concorrente exibido há dias no Cine PE, Memórias de um Esclerosado, este filme sobre deficiência renega qualquer proposta de seguir o modelo clássico de “filme de superação”. Os diretores contaram na coletiva de hoje sua intenção de retratar o cotidiano do casal, evitando mostrar o que definem como “cenas extraordinárias” - como o fato de Carlos ser mergulhador ou Sofia ter saltado de páraquedas. “Nosso objetivo foi mostrar a vida deles, o que a gente não vê”, frisou a diretora Carolina.
O que a gente objetivamente vê neste documentário é este casal de meia-idade, que mora num apartamento na Vila Mariana, em SãoPaulo, lidando com tarefas do cotidiano, como cozinhar, lavar louça, trabalhar, fazer ginástica e visitar amigos vizinhos, estes também portadores de deficiências. Como destacou o diretor Rodrigo, isto permite retratar “as pequenas vitórias deles numa vida com autonomia”. Porque é também inegável que nenhuma destas proposições é simples.
Crises
Um momento de crise surgiu com o filme já montado, quando aconteceu a pandemia, que impactou o casal como todo mundo, mas a eles de forma peculiar. Eles dependem de algumas pessoas para tarefas externas à casa e conseguem comunicar-se, por exemplo, tocando no rosto de seus interlocutores - o que, com o uso de máscaras, tornou-se mais desafiador, como comenta Sofia no filme.
Esta crise alterou a primeira idéia dos diretores sobre o final do documentário, que originalmente se ambientaria no terraço do prédio, onde o casal relaxa, faz ginástica e leva seus dois cachorrinhos para passear. No novo final, os diretores levaram o filme pronto para ser conhecido por Carlos e Sofia, mediante a intervenção de comunicadores nas linguagens que eles percebem, introduzindo uma nova camada na narrativa. “Não mostrar o filme a eles seria excluí-los de novo. Sentimos isso como uma obrigação, além de uma questão política”, definiu Rodrigo.
Curtas
Uma forma até de aferir o sucesso de políticas públicas de suporte à cultura no interior pernambucano está em dois curtas do estado exibidos na sessão de ontem. Chão, do diretor Philippe Wollney, retrata lindamente a poesia contemporânea criada numa região quilombola, na zona canavieira do estado, utilizando como cenário ruínas da chamada “civilização do açúcar”, que marca aquela paisagem desde o período colonial. E Moagem, da diretora Odília Nunes, captura a dureza e a beleza da produção da rapadura, mostrando todas as etapas da colheita e preparação da cana-de-açúcar num engenho no sertão do Pajeú cujo modelo tradicional está desaparecendo.
O representante paulista Jogo de Classe, de Quico Meirelles, contou com elenco estelar, integrado por Dan Stulbach - presente à sessão de ontem -, Arnaldo Madeira, Cecília Homem de Mello e Martha Nowill, entre outros. Mas o mérito maior desta história, um roteiro de Felipe Poroger, foi retratar com muita precisão e humor cínico a crise numa escola de ultra-ricos em que os pais de alguns alunos vêm confrontar a diretora (Cecília Homem de Mello) devido à atuação de um bedel (Fábio Neppo) como árbitro no jogo de futebol de seus filhos. Explodem na reunião todos os preconceitos e tensões de classe, permeados por uma ironia na medida para comentar a polarização vivida no Brasil.
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