17/03/2025
Terror

Nosferatu

Da cidade de Wisburg, Alemanha, em 1838, parte o corretor de imóveis Thomas Hutter em direção à Transilvânia. Ele vai encontrar um misterioso cliente, o conde Orlok, que exige sua presença em seu castelo para assinar um contrato de compra. O encontro sela um compromisso que desencadeia um pesadelo, que inclui também a misteriosa obsessão de Ellen, mulher de Thomas, que sonha com esse conde - na verdade, um vampiro. Nos cinemas.

post-ex_7

Em seu quarto longa, o diretor e roteirista Robert Eggers arrisca-se como nunca para satisfazer uma antiga obsessão de mergulhar na figura do Nosferatu/Drácula, que tantas versões cinematográficas ganhou ao longo do tempo, assegurando a sobrevivência do mito criado no clássico do escritor Bram Stoker em 1897. 

A criação de clima é tudo na obra de Eggers, que estreou na carreira com o promissor A Bruxa, um primor de intensidade e sutileza, desembocando depois nos muito mais explícitos O Farol (2019), um notável mergulho no pesadelo da masculinidade tóxica, e no mais violento O Homem do Norte (2022).

Ao longo dessa carreira curta e marcante, o diretor parece estar se distanciando da intensa sutileza inicial, que comparece, no entanto, nas sequências iniciais de seu Nosferatu, ambientado na cidade alemã de Wisburg, em 1838. A primeira cena coloca sem rodeios o dilema central, a atração proibida da jovem Ellen (Lily-Rose Depp) pelo vampiro conde Orlok (Bill Skarsgard), retratado apenas como uma sombra de voz gutural, projetada nas cortinas abertas ao vento de uma janela escancarada por essa força sobrenatural dos mundos dos mistérios e dos desejos que ali se fundem.

Introduzida sem explicações prévias, essa cena joga o espectador direto dentro da trama, que retoma os nomes originais dos personagens do Nosferatu de 1922, de Murnau - que mudara esses nomes para escapar à proibição da viúva de Bram Stoker de que filmasse a história, resultando em processo que tirou de circulação a maioria das cópias do filme então. Passo seguinte, apresenta-se a viagem do corretor de imóveis Thomas Hutter (Nicholas Hoult), marido de Ellen, para os confins da Transilvânia, onde o misterioso conde exige sua presença para assinar pessoalmente um contrato de compra. 

Essa viagem solitária, a cavalo, por regiões sombrias, é outro ponto alto do filme. Thomas chega a um misterioso povoado habitado por ciganos, para passar a noite, e é ali que as coisas começam decididamente a sair do controle, a ponto de não se distinguir mais o que é sonho ou realidade. Estas sequências são altamente climáticas e expressam todo o pavor que o desprotegido Thomas experimenta ao aproximar-se do castelo do conde, uma presença fisicamente assustadora, semi-oculta na escuridão - tudo isso, uma composição que exigiu muitas horas de maquiagem e dezenas de próteses, além de um cansativo trabalho vocal, para obter a figura deste vampiro, a mais monstruosa entre todas as versões conhecidas.

Curiosamente, esta opção radical pela monstruosidade rouba uma parcela da humanidade que, apesar de tudo, se vislumbrava nas duas encarnações anteriores de Nosferatu, tanto o de Murnau, quanto o de Werner Herzog (Nosferatu - O Vampiro da Noite, 1979). Max Schreck e Klaus Kinski, respectivamente, os atores destas versões, em alguns momentos apresentavam sinais de fragilidade, de um cansaço imenso da própria maldição eterna de sua condição, que aqui não se manifesta. O Nosferatu de Eggers é uma espécie de Golem, de Godzilla, que se compraz em sua condição de monstro e num poder físico bastante superior ao de seus antecessores cinematográficos. 

Esse poderio o torna, portanto, um inimigo duro a abater, diante de seus frágeis adversários, o Thomas combalido pelos ataques do vampiro que tenta salvar sua mulher da obsessão erótica que a contamina, tanto quanto o conde Orlok; o médico dr. Sievers (Ralph Ineson), um solitário defensor da racionalidade e da ciência; e o algo lunático dr. Von Franz (Willem Dafoe), um cientista que se tornou maldito por passar a acreditar no ocultismo. 

A maneira como se articulam estes personagens, assim como o amigo de Thomas, Friedrich Hardin (Aaron Taylor-Johnson) - cujo núcleo familiar parece ocupar na história apenas a função de isca - é uma das questões problemáticas deste roteiro, que Eggers adaptou a partir do de Henrik Galeen, autor do script do filme de Murnau. Certamente, era de se esperar que Eggers, um diretor com ambição de autor, imprimisse sua marca nesta refilmagem da história e ela se traduz num investimento mais incisivo no gore, no body horror e na exposição da sensualidade doentia que, aliás, permeia a história original. 

Neste sentido, há um aspecto que Eggers não explora a contento, por não ser esse seu interesse. Atribui-se a Ellen, ainda uma criança, ter invocado essa força sobrenatural para preencher um vazio emocional que sentia e ultimamente se traduziu nessa figura monstruosa do mal, que a tudo e todos ameaça, inclusive de aniquilamento físico - as dentadas deste vampiro, que não são aplicadas em pescoços e sim em peitos, por ele destroçados, matam, não transformam suas vítimas em outros vampiros. Além disso, sua chegada à Alemanha, oculto num caixão num navio, trouxe consigo uma multidão de ratos que, desembarcados no porto, espalharam a peste e a morte, uma situação que inevitavelmente evoca a pandemia da covid-19.

Resta, portanto, a questão da “responsabilidade” de Ellen, por ter tirado esse mal da tumba. Ainda que inocente e movida por uma intensa solidão, desencadeada pela morte precoce da mãe e a frieza do pai, ela sente sobre si o peso da culpa e a necessidade do auto-sacrifício, e que, em última análise, repete o das versões cinematográficas anteriores de Nosferatu. Aqui, Eggers nada inova, exceto na virulência com que elabora esta cena final. Perde, portanto, a oportunidade de atualizar um pouco mais profundamente este registro de uma época em que o patriarcalismo reprimia e satanizava ainda mais drasticamente do que hoje a sexualidade feminina. 

De se criticar, também, a falta de apuro em muitos diálogos, alguns francamente risíveis. No aspecto visual, porém, como sempre contando com Jarin Blaschke na fotografia, trata-se de um trabalho soberbo, especialmente na composição das cores, que em muitas sequências evocam o preto-e-branco do filme de Murnau.

post