Na companhia de Lampião e Alfred Hitchcock
- Por Neusa Barbosa e Alysson Oliveira
- 12/04/2024
- Tempo de leitura 4 minutos
Na reta final, o festival apresenta a última sessão de Lampião, Governador do Sertão, de Wolney Oliveira. E na seção internacional, dois títulos de peso do irlandês Mark Cousins, os filmes Marcha sobre Roma e Meu nome é Alfred Hitchcock.
Lampião, Governador do Sertão
“Pirata”, “Samurai”, “Napoleão do Povo”. Esses são alguns apostos que vêm junto ao Lampião no documentário Lampião, Governador do Sertão. São proferidos, respectivamente, por um jovem cantor de músicas inspiradas no cangaço, Ariano Suassuna e Sylvie Pierre, crítica de cinema francesa. O filme de Wolney Oliveira tenta, exatamente, essa busca pela pluralidade, ou, mais do que isso, pela desconstrução do mito e a reconstrução de uma outra figura.
Como diz a própria Pierre, todo mito que sobrevive por tanto tempo tem um fundo de verdade. Para provar isso, o documentário se vale de uma enorme gama de depoimentos, de sobreviventes do bando de Lampião a familiares – em especial a neta Vera Ferreira, neta de Lampião e Maria Bonita.
Sóbrio em sua construção formal, o documentário busca sua razão de ser nessa investigação polifônica sobre o homem versus o mito, concluindo que, como colocou John Ford, se a lenda é mais interessante do que a verdade, imprima-se a lenda. Mas a questão é: não existe uma lenda definitiva sobre Lampião. Existem muitas.
Virgulino Ferreira tem uma história, especialmente oral, marcada por contradições. Uns dizem que ele matou o pai, outros, que virou cangaceiro para vingar a morte do pai. Alguns o chamam de herói, outros de bandido sanguinário, que prestava serviços como matador para qualquer um que pagasse, fosse pobre ou rico.
Em meio a tantas histórias, o filme toma, obviamente, seu partido, embora de forma até discreta. Lampião é construído como uma figura um tanto heroica, mas, acima de tudo, no mundo contemporâneo, como um produto da indústria cultural. A memória, a lenda ou o mito, como se quiser chamar, do cangaço movimenta a economia de pequenas cidades, seja com artefatos, museus ou turismo.
Mas não é só isso. Lampião e sua história foram tema do desfile da carioca Imperatriz Leopoldinense, em 2023, que foi a vencedora do Carnaval do Rio. Chegar a tema de samba-enredo, como se sabe, é o ápice da comercialização de algo enquanto produto cultural. Nesse sentido, como mostra o filme, o cangaceiro ganha um status que está acima dele mesmo e de sua história. (Alysson Oliveira)
Última sessão:
Cinemateca Brasileira - Sala Grande Otelo - 12/04/2024 às 19h30
Retrospectiva Mark Cousins
Marcha sobre Roma
O diretor irlandês, parte do júri internacional e homenageado nesta edição do festival, realiza aqui aguda reflexão sobre o fascismo e não só o italiano, que teve sua première no Festival de Veneza em 2022.
A partir da análise das imagens de um filme fascista homônimo, realizado na famosa marcha de 1922 que marca o início do movimento autoritário liderado por Benito Mussolini, Cousins estabelece suas reflexões sobre o período, que permitem traçar as pontes que levam ao estabelecimento de toda e qualquer fé fascista - não só há cerca de 100 anos atrás como também hoje, agora utilizando-se do poder de repercussão das redes sociais.
A nota intimista é introduzida no filme a partir de uma personagem fictícia, interpretada pela atriz italiana Alba Rohrwacher, que simboliza tantas mulheres comuns dos anos 1920, a princípio capturadas pelo poder de sedução do discurso fascista mas, depois, conscientes de suas trágicas consequências. (Neusa Barbosa)
Sessões
Rio de Janeiro
Estação Net de Cinema - sala 2 - 12/04/2024 - 21h
São Paulo
Sesc 24 de Maio - 12/04/2024 - 14h
Meu nome é Alfred Hitchcock
Utilizando-se da impressionante capacidade de imitação vocal do ator inglês Alistar McGowan, Mark Cousins cria uma obra imensamente original sobre o renomado diretor Alfred Hitchcock, montada como se fosse uma reflexão pessoal deste, com sua voz do além-túmulo, comentando sobre as próprias obras.
Este recurso empresta ao filme um clima que é a mais perfeita tradução da ironia do mestre do suspense, referindo-se a detalhes de alguns de seus títulos mais celebrados, como Os Pássaros, Um Corpo que Cai, Festim Diabólico e Janela Indiscreta - sem esquecer as produções modestas, realizadas no começo de sua carreira, na Inglaterra - cujas imagens formaram parte nada desprezível do imaginário do século XX, tornando seu autor um nome incontornável da história do cinema.
Hitch, certamente, se divertiria muito com esta homenagem - que não deixa de pontuar a grandeza de sua obra. (Neusa Barbosa)
Sessões
Rio de Janeiro
Estação Net de Cinema - sala 2 - 13/04/2024 - 21h
São Paulo
Sesc 24 de Maio - 12/04/2024 - 16h30
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