Numa pequena cidade do interior da Bahia, Josué voltou depois de um longo tempo fora, agora para assumir o cargo de delegado. Logo depois, ele é surpreendido por um caso difícil, envolvendo a tentativa de assassinato de Valmir, candidato a prefeito, numa situação complicada em que estão envolvidos um matador de aluguel e a jovem noiva de Valmir, Francisca.
- Por Neusa Barbosa
- 15/06/2022
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Dirigido por José Eduardo Belmonte, o policial As Verdades encanta-se com as possibilidades abertas por enveredar pelas várias versões de um crime - rendendo homenagem já nos créditos iniciais a Ryonosuke Akutagawa, o autor do conto que inspirou o fenomenal Rashomon, de Akira Kurosawa (1950). Quem já viu aquele filme uma vez, não esquece e nem deveria. É um clássico deste tipo de narrativa.
Embrenhado nesta visão múltipla, o roteirista Pedro Furtado conduz seus personagens num cenário totalmente distinto do filme japonês, no interior da Bahia. Numa cidadezinha praiana, acaba de chegar de volta Josué (Lázaro Ramos), para assumir a função de delegado e também reatar as pontas soltas de uma vida amorosa partida.
Na modorrenta cidadezinha, é de se supor que quase nada aconteça, mas isso é apenas aparente. Logo depois da chegada de Josué, um evento dramático envolve Valmir (ZéCarlos Machado), um ex-delegado, atual candidato a prefeito; sua noiva muito mais jovem, Francisca (Bianca Bin); e Cícero (Thomás Aquino), um matador de aluguel.
Seria um caso como qualquer outro não fosse o envolvimento pessoal de Josué - afinal, é Francisca a mulher com quem ele teve um romance anos atrás, perdurando nele o fantasma de uma relação muito desejada mas interrompida. Destes lapsos e contradições, entre elas as dos três envolvidos no inquérito, se alimenta o filme, que vagueia entre os locais da cidadezinha nas idas e vindas no tempo que somam complexidade à trama.
Neste espaço é que Belmonte constrói um filme bastante instigante e agradável de seguir, pontuando com precisão os termos de uma realidade provinciana, os atavismos de um poder local e também de uma situação nelsonrodriguiana envolvendo Valmir, Bianca e a mãe dela (Drica Moraes) - esta última, uma notável personagem, que se presta ao desenvolvimento de bem-vindos comentários sobre a condição feminina em tempos e lugares onde ela é tratada de modo brutal.
Neste estranho huis clos, incendiado de tempos em tempos pela imprevisibilidade de Bianca, salta aos olhos a consistência da atuação de Lázaro Ramos. Enfeixando em seu personagem tantas camadas sutis, o ator consegue dar-lhe contornos de uma humanidade nunca menos do que envolvente.
Seria injusto não mencionar Edvana Carvalho, que interpreta a policial Sâmia, como parte essencial na composição do clima desta cidade que encobre tantas paixões e vícios sob uma superfície aparentemente calma. E também a trilha sonora de André Luiz Machado, um elemento imprescindível ao apuro de um filme de gênero de respeito