26/03/2025

O suspense chega a Gramado com "Uma Família Feliz"


Gramado - O cinema de gênero marcou sua passagem em Gramado com a exibição do suspense Uma Família Feliz, de José Eduardo Belmonte. Baseado num roteiro do escritor policial Raphael Montes, o filme decola na crise profunda de um casal de classe média alta, Eva (Grazi Massafera) e Vicente (Reynaldo Gianecchini), a partir do nascimento de seu terceiro filho. Eles, que já têm duas filhas gêmeas de 10 anos, passam a suspeitar um do outro depois que aparecem sinais de maus-tratos nas crianças.

Graziela Massafera, protagonista do suspense "Uma família feliz"

O forte do filme está na produção eficiente de um clima claustrofóbico, em que a desconfiança mútua acelera a tensão, rumando para um desfecho brutal. Grazi Massafera, especialmente, está muito bem na pele desta protagonista atormentada, integrando a galeria de personagens femininas em crise vistas nesta edição do festival gaúcho - caso de Ângela, de Hugo Prata, as irmãs de Tia Virgínia, de Fábio Meira, e mais ainda a camponesa brutalizada no drama tocantinense O barulho da noite, de Eva Pereira.

É sempre muito bem-vindo ter-se um filme de gênero no cinema brasileiro, ainda mais com os valores de produção deste, que tem Monica Palazzo na direção de arte, Miriam Biderman na direção de som e Leslie Monteiro na fotografia. Mas as incongruências do roteiro se acumulam, especialmente na porção final, e comprometem em parte o resultado.
Indagado sobre a falta de verossimilhança de alguns detalhes da história - sobre a qual se evitará aqui dar spoilers -, o roteirista Montes destacou que até concorda que isto possa existir, mas a preocupação maior foi o clima de “jogo de aparências” - que se traduz até na ironia do título (esta família nada tem de feliz); nos bonecos que Eva faz e que são assustadoramente semelhantes a bebês reais e assim por diante. Nada é o que parece e isto sustenta, até certo ponto a trama.


Documentário
Já entre os documentários, a atração da noite foi Roberto Farias - memórias de um cineasta, dirigido por sua filha, Marise Farias, e homenageando a trajetória deste talentoso produtor e diretor de filmes como Assalto ao Trem Pagador e Pra frente Brasil, além de sua decisiva atuação à frente da Embrafilme, nos anos 1970, que se notabilizou por políticas como a cota de tela para o cinema nacional e a lei do curta.

Marisa Farias, diretora do documentário "Roberto Farias- memórias de um cineasta"

Na coletiva do filme, a diretora contou que procurou guiar o documentário para que o pai pudesse ter voz, falar por ele mesmo. Para isso, contou com dois materiais importantíssimos, como um depoimento dado por Farias ao Museu da Imagem e do Som e uma aula magna concedida à Universidade Federal Fluminense. Nessas falas, Farias discorre sobre não só uma trajetória muito rica, autodidata, como também seu firme compromisso com um cinema brasileiro de qualidade, fosse em títulos mais pessoais, como Selva Trágica, ou seus sucessos no cinema comercial, como os filmes que realizou com Roberto Carlos nos anos 1960.

Marise Farias destacou ter a intenção de restaurar a obra de seu pai, tendo digitalizado em 4k três de seus longas: Rico Ri à Toa, O Assalto ao Trem Pagador e Selva Trágica. Acabou descobrindo, no caso desse último filme, que a cópia do MAM que foi a base da cópia digital tinha 1 minuto a menos. E também descobriu que a cena que falta existe no CTAV. Um dia, ela quer remontar o filme incluindo essa cena, mas ainda não obteve os recursos necessários.

Curtas
Os dois curtas da noite compartilharam semelhanças por sua ligação com a dança e a performance e o universos LGBTQIA+: Pássaro Memória, de Leonardo Martinelli (RJ), que foi selecionado para o mais recente Festival de Locarno, e Casa da Bonecas, de George Pedrosa, uma rara produção do Maranhão que também chegou ao festival de Rotterdam.

Fotos: Neusa Barbosa