Gramado pára para assistir ao cinema fora do eixo
- Por Neusa Barbosa, de Gramado
- 16/08/2023
- Tempo de leitura 3 minutos

Gramado - Terça-feira foi a noite de Gramado apresentar cinema fora do eixo, com a exibição do curta Ela mora logo ali, de Fabiano Barros e Rafael Rogante, de Rondônia, e o longa O Barulho da Noite, de Eva Pereira, de Tocantins. Não poderiam ser filmes mais diferentes no tom e na abordagem. O curta narra, de maneira bastante divertida, a atração que uma mulher simples (Agrael de Jesus) passa a sentir pelo livro Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, lido por uma mocinha que ela encontra todo dia no ônibus. As peripécias do cavaleiro da triste figura e seu parceiro, Sancho Pança, passam a servir de mote para as histórias que a mulher conta todas as noites para seu filho deficiente, enchendo de colorido um cotidiano sacrificado mas cheio de afeto.
Patrick Sammpaio, ator, Eva Pereira, diretora, e Emanuelle Araújo, atriz, do filme tocantinense "O barulho da noite"
No longa O Barulho da Noite, que teve uma produção atribulada ao longo de 20 anos, a diretora Eva Pereira pesquisou a história de muitas mulheres no Tocantins para elaborar um roteiro abordando o difícil tema do estupro e do abuso sexual contra crianças. Ao centro da história, está a família formada pelo sitiante Agenor (Marcos Palmeira), sua mulher Sônia (Emanuelle Araújo) e as duas filhas pequenas (Alicia e Analice), cuja rotina é abalada pela chegada de um misterioso sobrinho, Ataíde (Patrick Sampaio).
Mais uma vez neste festival, do mesmo modo que o longa Ângela, de Hugo Prata, o desejo feminino é motor da história, quando Sônia vê despertada sua sexualidade por Ataíde, precipitando um drama que arrasta a família e afeta também o destino de suas filhas.
Não faltou quem se incomodasse com as decisões tomadas pela personagem feminina na história, um tema levantado no debate do filme de hoje. A diretora, no entanto, assim como a atriz Emanuelle Araújo, defenderam as escolhas tomadas na ficção: “O incômodo é importante e necessário. O que existe, nessas situações, são mulheres sozinhas. Se elas falarem, morre todo mundo. Elas não falarem é uma defesa. Que esse incômodo possa levar a gente a olhar esse Brasil escondido como ele é”, afirmou a atriz.
A diretora, por sua vez, ressaltou: “O que paralisa essas mulheres na denúncia é a total falta de apoio em volta delas, inclusive nos círculos familiares”.
No tocante às atrizes mirins, escolhidas na região do filme, a produção teve o cuidado de acompanhá-las com uma preparadora de elenco, Tatiana Muniz, e também um seguimento posterior às filmagens, com um psicólogo, para dar suporte em sua reinserção no meio rural de onde provieram.
A hora dos motoboys
A noite teve ainda o documentário brasiliense Da Porta para Fora, de Thiago Forastieri, retratando a rotina arriscada dos motoboys e motogirls que não pararam de trabalhar nas ruas em plena pandemia, nos anos de 2020 e 2021.
As imagens foram feitas em sua maioria (70%) pelas câmeras dos celulares dos próprios motoboys, acompanhando seu dia-a-dia nas entregas de produtos pedidos por meio de aplicativos. O documentário também capta a movimentação desses profissionais precários, mobilizando-se para greves e a criação de uma associação.
Três personagens destacam-se no filme e vieram a Gramado acompanhar a projeção: a motogirl Keilane, que se tornou cantora depois de uma sequência de acidentes que causaram até uma depressão; o sindicalista Sorriso, que liderou a criação de uma associação dos motoboys em Brasília; e Marcos, que sofreu com a contaminação pelo coronavírus em sua própria família e oscilou entre o entusiasmo e a decepção com o então presidente Jair Bolsonaro. Três personagens excelentes, que fornecem uma síntese eloquente de uma categoria não raro invisibilizada, apesar de essencial na vida das metrópoles.
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