16/03/2025

"Tia Virgínia" levanta a platéia de Gramado e consagra Vera Holtz


Gramado - Diretor do festejado As Duas Irenes (2017), Fábio Meira confirmou em seu segundo longa, Tia Virgínia, o estilo intimista, centrado em histórias familiares, com personagens, situações e diálogos muito bem-elaborados, num cinema que manifesta uma clara ligação com o público. No caso do Festival de Gramado, em que Tia Virgínia integra a competição de longa, a resposta do público no Palácio dos Festivais, na noite de domingo (13), foi imediata e calorosa, brindando a exibição com três manifestações de aplausos calorosos, ainda maiores no final.

É fácil entender a conexão da platéia com esta história, protagonizada por três irmãs, Virgínia (Vera Holtz, soberba e candidatíssima ao prêmio de atriz), Vanda (Arlete Salles) e Valquíria (Louise Cardoso), que desenterram suas mágoas de toda a vida num dia de Natal. Virgínia é a irmã que foi convencida pelas outras duas a renunciar a tudo o mais para cuidar da mãe inválida (Vera Valdez, numa interpretação muda mas altamente expressiva nos olhares). Decorrente disso, há um mar de frustrações por parte de Virgínia, que são expostas no reencontro familiar, em que advém cobranças e confrontos que põem a nu o quanto tantas palavras vieram sendo sufocadas ao longo dos anos.

O clima claustrofóbico é reforçado pela filmagem restrita a essa casa familiar, cenário quase único, em que as irmãs se degladiam, num crescendo de emoções que desencadeiam tensões cada vez mais explícitas, em que participam também os sobrinhos (Iuri Saraiva e Daniela Fontan) e o marido de Vanda (Antônio Pitanga).

Como se discutiu no debate do filme, nesta manhã de segunda-feira (14), as referências teatrais são claras, a partir de A Casa de Bernarda Alba, de García Lorca, mencionada explicitamente numa cena, sem esquecer de Anton Tchecov e As Três Irmãs e O Jardim das Cerejeiras. “Às vezes, Tchecov parece mineiro, com todos aqueles não-ditos”, observou o diretor, que é goiano mas radicado em Minas Gerais.

Cinematograficamente, não faltam menções a Ingmar Bergman. “Quando vi Gritos e Sussurros, aos 16 anos, era como se Bergman tivesse feito um filme sobre a minha família”, destacou Meira.

Mas as maiores referências são mesmo sobre sua própria família. Meira tem uma tia parecida com Virgínia, que no caso se chama Arlete, e que serviu de inspiração direta para a protagonista vivida por Vera Holtz. Acentuando esse parentesco com a própria história pessoal, o diretor filmou em vídeo suas próprias tias lendo o roteiro do filme, material que foi dado às atrizes e serviu de ponto de partida para a construção das personagens.

Essa ligação umbilical com a própria vida marca, até aqui, a trajetória do diretor. “Tia Virgínia trata das histórias que acompanhei diretamente. As Duas Irenes era sobre as histórias que ouvi”, esclareceu o diretor.

Em todo caso, Tia Virgínia, que tem estreia prevista para o mês de novembro nos cinemas, parace ser aquele tipo de “cinema argentino” que parte do público tanto cobra aos realizadores brasileiros, ou seja, um tipo de história familiar que tem personagens com a nossa cara, dramaticidade e em que o humor nunca falta. As interpretações, muito precisas, dão conta do que é preciso para compor um filme que é capaz de envolver mesmo quando atinge notas altas e dissonantes da aparência inicial de harmonia familiar. Por trás dessa máscara, há sangue, suor, lágrimas e drama do melhor.

Curtas
Em A Última Vez que Vi Deus Chorar, o diretor Marco Antônio Pereira (MG) exerce mais uma vez sua veia fantástica ao narrar a história de uma jovem trabalhadora rural (Cibele Zeôdi) abalada pelos efeitos de uma misteriosa gravidez e também pela percepção das injustiças sociais de seu mundo.

O outro curta da noite, o também mineiro Camaco, de Breno Alvarenga, resgata a memória da criação de um misterioso dialeto por parte dos trabalhadores da mineração na região de Itabira (MG) como forma de resistência à sua exploração.