19/03/2025

Histórias de mulheres abrem competição pela Palma de Ouro

Cannes - O primeiro dia da competição em Cannes teve uma nota bem feminina, com a exibição de dois filmes com mulheres fortes, um deles inclusive dirigido por uma mulher - o francês Diamant Brut (foto ao lado), da estreante em longas Agathe Riedinger, estrelado por uma outra novata, a jovem atriz Malou Khebizi, em seu primeiro papel no cinema. O outro filme estrelado por mulheres fortes num contexto dramático foi The Girl with the Needle, do sueco Magnus von Horn.
São filmes de propostas e estéticas muito diferentes, mas que têm em comum o foco em mulheres em crise e em perigo, o que dá muito material para que elas expressem vários aspectos de sua sensibilidade, inteligência, ambição e até um lado mais sinistro, no caso do filme de von Horn - que é filmado na Dinamarca e falado na língua local, contando com duas atrizes de lá, Vic Carmen Sonne (de Terra de Deus) e Trine Dyrholm (de Rainha de Copas).
Com toda a diferença de experiência que há entre estas atrizes, o fato é que todas despontaram, ao final do primeiro dia de competição em Cannes, como possíveis candidatas ao prêmio de melhor interpretação.

Energia à toda

No caso da iniciante Malou Khebizi, é ela quem dá total carne, sangue e credibilidade à sua protagonista, Liane, que justifica totalmente o título do filme, Diamant Brut, ou seja, diamante bruto. Porque ela é simplesmente isso, uma explosão de revolta e energia ao procurar desesperadamente escapar da indiferença da mãe, da pobreza e da falta de perspectivas com o sonho de integrar um famoso reality show, Miracle Island.

Todo seu esforço e todo o dinheiro que ela consegue obter - nem sempre por meios honestos - são colocados à disposição deste projeto, o que leva Liane a procurar moldar seu corpo, com implantes nos seios, unhas pontudas e longuíssimas, extensões no cabelo e roupas que ela acredita compor o figurino indispensável para esta personagem que ela procura criar - e também para colocar nos vídeos que divulga nas redes sociais, na busca do engajamento de milhares de seguidores.

A artificialidade deste mundo que Liane persegue, em contraste total com o despojamento de sua casa e de sua vida emocional, são traduzidos perfeitamente na proposta do diretor de fotografia Noé Bach, explodindo em cores artificiais e estouradas, fabricando a ilusão que emoldura a vida de Liane. De real, pouca coisa, a não ser o afeto que ela nutre pela irmã menor, Alicia (Ashley Romano) - que caminha para tornar-se uma cópia dela, a partir das grossas sobrancelhas pintadas - e uma incerta atração por Nathan (Alexis Manenti), que compartilhou com ela a experiência de um lar adotivo no passado.

Verdade que há excessos e quebras da narrativa, a partir de um roteiro da própria diretora. Mas ela não nega fogo no poder de observação na escolha de um tema candente no mundo. A seu favor, a história não se rende a soluções mágicas e aposta nas escolhas de Liane.

Sem saída

Já o mais experiente diretor Magnus von Horn (de Sweat, 2020), se aproxima com precisão cirúrgica de uma história real, ocorrida na Dinamarca em meados da I Guerra Mundial, contando com a sóbria fotografia em preto-e-branco do polonês Michal Dymek (o mesmo de Guerra Fria e Eo).

A história parte nos ombros de Karoline (Vic Carmen Sonne), costureira de uma confecção que, naquele momento, produz uniformes para os soldados na guerra. Seu próprio marido, Peter (Besir Zeciri), está desaparecido em campo de batalha e ela se acredita viúva. Neste momento, ela acaba envolvendo-se com o patrão, Jorgen (Joachim Fjesltrup), e engravida.

A gravidez proporciona uma girada dramática em sua vida, colocando-a em contato com Dagmar (Trine Dyrholm), uma mulher que comanda uma rede clandestina de adoções.

Com uma câmera muito colada nas expressões e na intimidade destas personagens, o filme de von Horn cria uma atmosfera tensa, que vai extraindo cada vez mais camadas de horror. Isto sem nunca resvalar para qualquer forma de maniqueísmo ao apontar as escolhas, não raro temíveis de uma das personagens, o que permite ao mesmo tempo denunciar a escassez de possibilidades para as mulheres em geral naquele contexto. Um filme não muito fácil de assistir, mas sempre bem-composto, sóbrio e eloquente.