19/03/2025

Andrea Arnold aposta na juventude no sensível Bird

Cannes - Homenageada na Quinzena dos Realizadores em 2024 e já vencedora de três Prêmios do Júri em Cannes - Aquário (2006), Marcas da Vida (2009) e Docinho da América (2016) - a inglesa Andrea Arnold espalhou de novo a sua mágica em Cannes com Bird, concorrente na competição principal que está conquistando corações e mentes. A competição ainda está bem no começo mas ela é minha aposta na Palma de Ouro até aqui, uma das quatro diretoras concorrentes de um total de 22 candidatos.
Andrea, de 63 anos, é uma espécie de continuadora do humanismo de Ken Loach no sentido de focalizar personagens proletários, pessoas comuns, cheias de problemas mas também de vida, de sonhos, em toda sua complexidade. É essa também a saga em Bird, que é protagonizado por Bailey (a ótima estreante Nykiya Adams, candidatíssima a melhor atriz), uma garota de 12 anos que vive com o pai, Bug (Barry Keoghan), e o irmão Hunter (Jason Buda) numa casa invadida, em Kent.

Tal como o concorrente francês Diamant Brut, de Agathe Riedinger, é um filme sobre amadurecimento, passagem à vida adulta de uma garota, mas tratado dentro de um esquadro bem mais multifacetado e complexo. Ao longo do filme, é possível entrar muito mais fundo nas questões de Bailey, que tem um pai muito jovem, amoroso mas frágil e uma mãe que vive distante, com outros três filhos menores e permanentemente perturbada com relacionamentos instáveis e abusivos.

É nesse contexto familiar fragmentado e também num ambiente social precário, em que jovens pobres não têm muito o que fazer, não estudam nem trabalham e flertam de perto com a marginalidade, que Bailey deve crescer. E é aí que surge Bird (o ator alemão Franz Rogowski), um homem excêntrico que está à procura de seus pais.

Bird surge não só como um amigo mas como uma figura no limite do realismo, que desafia a crueza destes espaços e relações e também estabelece com Bailey uma relação de proteção e ternura - e, em algum momento, esse personagem remete, de certo modo, a Asas do Desejo, de Wim Wenders, num registro inteiramente diferente, cabível num contexto mais duro.

A honestidade com que a diretora retrata estas pessoas, notadamente esta pequena família de Bailey, e a pitada de realismo fantástico trazida por Bird, dotam o filme de camadas que não param de se sobrepor e crescer. Andrea Arnold tem também um olhar de documentarista (como vimos no recente Cow, de 2022), inserindo neste contexto a natureza em volta da cidade e inúmeros animais: cavalos, cachorros, borboletas, pássaros, sapos, peixes. E uma trilha sonora pop que amarra toda essa energia pulsante, misturando rap, rock, pós-punk. Dá vontade de sair dançando do cinema e acreditando na humanidade, com todas as suas imperfeições e dúvidas.