21/01/2025

Da alegoria de De Heer ao erotismo de Emily Atef


Berlim - A competição começou a tomar forma nesta sexta (17), com a exibição de dois filmes muito diferentes, uma diversidade que é a marca registrada deste festival.Resgatando Rolf De Heer, um veterano de 71 anos que fez muito barulho no passado recente, com filmes como O País de Charlie (2013)e Bad Boy Bubby (1993), seu novo filme, The Survival of Kindness, promete ser um dos concorrentes mais discutidos ao Urso de Ouro. Isso por apostar numa linguagem alegórica, dispensando os diálogos (compreensíveis em qualquer língua, pelo menos) e apostando nos fundamentos mais básicos e primitivos do cinema, a imagem e o som.


O enredo focaliza a jornada de uma mulher (Mwajemi Hussein), num tempo e lugar indefinidos. Ela é negra e aprisionada numa jaula por homens brancos, portando máscaras contra gases, e deixada, presa, no meio de um deserto, sob o sol, sem água ou comida.
A situação da prisioneira remete a várias metáforas, da colonização, da escravidão, do drama dos refugiados - cada espectador irá encontrar suas conexões a partir das situações que a mulher irá vivendo. Saindo da jaula, ela percorre paisagens desérticas - filmadas em algumas províncias do sul da Austrália, de agreste e dura beleza -, e vai encontrando várias pessoas, com as quais interage às vezes de maneira empática, outras vezes, de confronto e defesa.

É o tipo do filme que requer entrega do espectador, envolvimento com a saga desta mulher sozinha, que caminha descalça por esses lugares inóspitos, num planeta que parece ter sofrido alguma catástrofe ambiental - o que explica as máscaras dos opressores -, obtendo sapatos eventualmente de cadáveres e roupas de uma espécie de museu do colonialismo - esta uma sequência de bastante riqueza simbólica.
Jornada de iniciantes

Tendo em vista o resultado admirável do filme de De Heer, foi surpreendente saber, na coletiva de imprensa, que há principiantes envolvidos - caso da atriz, Mwajemi Hussein, que não é profissional, faz sua estreia na tela, assim como o diretor de fotografia, Maxx Corkindale, que registra dessa forma extraordinária as paisagens e cenários que moldam a história.
Mwajemi Hussein é também portadora de uma história pessoal inusual. Ela chegou à Austrália há 17 anos, proveniente da República do Congo, como refugiada, e hoje trabalha como assistente social. Os dramas de sua personagem na tela, portanto, não lhe são estranhos.
Indagado sobre sua ausência de lugar de fala, como homem branco, para contar a saga da personagem negra, De Heer respondeu: “Sempre me faço muitos questionamentos toda vez que faço um filme. Mas acho que o trabalho de um diretor requer entender uma gama imensa de pessoas. Assim, sou tão qualificado quanto qualquer outra pessoa. No final, esta é tanto uma história branca quanto negra. Quem a filmar, tem que entender ambos os lados”.

Atração fatal
O primeiro concorrente alemão, de Emily Atef, Irgendwann werden wir uns alles erzählen (Someday we’ll tell each other everything), caminhou no rumo extremamente oposto, ao estender-se por mais de duas horas, numa narrativa arrastada e um tanto redundante, para tratar do romance fatídico entre Maria (Marlene Burow), uma garota de 19 anos, e o quarentão Henner (Felix Kramer), um homem retraído, estranho e eventualmente brutal. Acontece que Maria vive com uma família, os Brendel, e é a namorada oficial do filho deles, Johannes (Cedric Eich), sem que ninguém, evidentemente, saiba do romance secreto da menina.
Tudo isto acontece tendo como pano de fundo a reunificação da Alemanha, no verão de 1990, com todos os seus conflitos. A região em que moram os personagens pertencia à Alemanha Oriental e se ressente de um processo de assimilação sentido como excessivamente rápido.
A diretora investe muito em cenas quentes de erotismo entre Maria e Henner, destacando o aspecto animal de sua relação, mas que parece mais fetichista do que seria de se esperar, em se tratando de um filme dirigido por uma mulher. Por outro lado, deixa correr o ritmo do filme de maneira um tanto excessiva. Melhor seria que trabalhasse um pouco mais no aprofundamento dos personagens e na sua ligação com o contexto social da época, que fica um pouco perdido no meio do caminho. Mas, de todo modo, Marlene Burow é candidata a musa, muito linda, carismática e promissora.