A América Latina mostra sua cara na competição e na Fórum
- Por Neusa Barbosa, de Berlim
- 21/02/2023
- Tempo de leitura 5 minutos
Berlim - Uma das diretoras mais jovens da competição e a única latino-americana, a mexicana Lila Avilés, 41 anos, apresentou um dos filmes mais rigorosos e instigantes da competição em seu Tótem. Trata-se de seu segundo filme, sucedendo a estreia promissora em A Camareira (2019), trazendo do elenco daquela obra anterior a veterana Teresita Sánchez.
De muitas formas, Tótem lembra o vencedor do Urso de Ouro do ano passado, o espanhol Alcarrás, de Carla Simón, no sentido de mergulhar num processo familiar com muitas vozes, num filme-coral que surpreende a intimidade nos detalhes, nos cantos de uma casa, a partir do olhar de uma menina de 7 anos, Sol (Naíma Senties, um verdadeiro achado, que é um elemento essencial para o funcionamento fluente da história).
A trama é aparentemente simples: Sol vai passar o dia na casa do avô e das tias (Marisol Gasé e Montserrat Marañon), estas ocupadas na preparação da festa do aniversário do pai de Sol, Tona (Mateo Garcia), que está muito doente. É pela visão dela que as características de cada membro desta família em desequilíbrio vão-se revelando com sutileza, desdobrando-se num ritmo que imita a própria vida, sem heroísmos, com muitos conflitos, mal-entendidos e também muita ternura.
Trata-se, afinal, de um filme rigoroso, no sentido de que exige muito envolvimento de seu espectador para captar as nuances por trás de uma gama de acontecimentos corriqueiros. É deste envolvimento que nasce a emoção que cada um pode sentir e que Sol encarna com a singularidade de alguém ainda muito criança e que está entrando na consciência do mundo dos adultos com muita clareza, até à própria revelia.
Na coletiva de imprensa da manhã de ontem (20), a diretora manifestou sua intenção de “construir o filme através dos vínculos humanos, regressando à família, que não é só a de sangue”. Ela tinha um roteiro como ponto de partida mas evidentemente ele veio sendo transformado no processo de feitura do filme, que a diretora descreveu assim: “O cinema é como a pintura, tem que fluir, tem que mudar. O roteiro é como um bumerangue. A intuição é importante”. Pelo frescor, pela espontaneidade, Tótem - este sim um título um tanto misterioso - é um manifesto vivo de que esta fórmula deu certo.
Made for Oscar
Na seção Berlinale Special, Golda, do diretor israelense Guy Nattiv, trouxe à tela uma peculiar encarnação da célebre primeira-ministra de Israel, Golda Meir, interpretada com brio pela atriz britânica Helen Mirren - um papel que, pelo empenho e a transformação física, certamente deve credenciá-la a uma nova indicação ao Oscar, que seria sua quinta (ela já venceu uma vez em 2007 por A Rainha).
O roteiro, assinado por Nicholas Martin, focaliza a história de Golda durante os dramáticos acontecimentos da Guerra do Yom Kippur, em outubro de 1973. É um momento difícil para a Dama de Ferro de Israel, que está se tratando secretamente de um linfoma e enfrenta decisões dificílimas diante do ataque simultâneo de tropas sírias e egípcias que estão levando a melhor e provocando pesadas perdas ao exército israelense.
Atriz com muitos recursos, Helen Mirren sustenta o interesse numa história cujos detalhes muitos podem não conhecer mas que teve uma imensa repercussão em Israel, influenciando decisivamente na imagem da primeira-ministra, que era muito popular mas foi bastante questionada por suas decisões naquele episódio. Por conta dessa densidade da atriz, pode-se ao menos reavaliar o que era estar na pele de Golda naquela situação, o que não é pouco.
Brasileiro na Fórum
Primeiro brasileiro a ser exibido por aqui, o longa
, uma coprodução com a França selecionada na seção Fórum, elege como cenário deflagrador o aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, num filme que põe em foco os deslocamentos humanos e os sinais que se acumulam das transformações urbanas e históricas enquanto as pessoas passam.
, uma coprodução com a França selecionada na seção Fórum, elege como cenário deflagrador o aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, num filme que põe em foco os deslocamentos humanos e os sinais que se acumulam das transformações urbanas e históricas enquanto as pessoas passam.
A personagem que dá o gatilho ao enredo é Alê (Larissa Siqueira), funcionária do setor de transporte de malas do aeroporto, que é portadora de uma série de memórias em torno daquele lugar onde ele foi construído. Este centro de chegadas e partidas, que ainda guarda um resquício de mata nos seus arredores, tem em seu passado uma série de ocupações, de camadas de tempo, em que se acumulam vestígios de populações diversas, como os povos indígenas.
Tanto quanto o aeroporto, o filme é sobre trajetos de pessoas e a sobreposição de camadas de culturas que se somam, como num sambaqui,
contendo histórias que, no entanto, precisam ser decifradas, ditas, recuperadas. Por isso é importante que, numa narrativa que oscila entre os tons realista e confessional, o filme dê voz, num determinado momento, a personagens indígenas de várias nações, não se esquecendo de incluir uma menção à herança africana através da personagem Sílvia (Patrícia Saravy), namorada de Alê. No elenco, ainda se destacam Rômulo Braga, como um supervisor sindicalista, e Helena Albergaria, como uma estudiosa do local (a atriz fez também a preparação do elenco).
contendo histórias que, no entanto, precisam ser decifradas, ditas, recuperadas. Por isso é importante que, numa narrativa que oscila entre os tons realista e confessional, o filme dê voz, num determinado momento, a personagens indígenas de várias nações, não se esquecendo de incluir uma menção à herança africana através da personagem Sílvia (Patrícia Saravy), namorada de Alê. No elenco, ainda se destacam Rômulo Braga, como um supervisor sindicalista, e Helena Albergaria, como uma estudiosa do local (a atriz fez também a preparação do elenco).