21/01/2025

Curta brasileiro "Infantaria" é premiado na seção Generation 14plus


Berlim -O curta brasileiro Infantaria, da diretora Laís Santos Araújo, venceu o Prêmio Especial do Júri da mostra Generation 14plus do Festival de Berlim, premiação divulgada na noite desta sexta (24). A premiação corresponde a 2.500 euros. Outras premiações do festival serão anunciadas na noite desta sábado (25).

Na justificativa do prêmio, o júri, formado por Kateryna Gornostai, Fion Mutert e Juanita Onzaga, assim se expressou: “Por uma narrativa repleta de atmosfera, que constrói um mundo cinemático único onde a condição feminina assume uma forma complexa em cada um dos personagens. Um filme repleto de camadas, cujos planos, semelhantes a pinturas, colorido brilhante e clima intrigante evocam a importância do apoio entre as mulheres”.

Com uma direção de arte cuidadosa e um clima entre o realista e o onírico, o filme acompanha a festa de aniversário da menina Joana, que deseja ansiosamente ter sua primeira menstruação, para virar “mocinha”. Dudu, seu irmão, tumultua o quanto pode a ocasião e manifesta toda sua fixação num pai distante, que é militar. A chegada de uma adolescente, Verbena, perturba o clima da festa e dá pistas sobre a verdadeira profissão da mãe de Joana - aborteira -, disparando tensões que o filme retrata de forma sutil e intensa.

No Cine Ceará, que ocorreu em outubro último, Infantaria colheu os prêmios de melhor curta para o júri da Abraccine - Associação Brasileira dos Críticos de Cinema e também o de melhor direção para o júri oficial. Antes disso, fora exibido no Olhar de Cinema de Curitiba. Em Berlim, o filme teve sua première internacional.

Últimos concorrentes


No último dia do festival, à espera das premiações que serão divulgadas à noite (18h30 em Berlim, 14h30 no Brasil), continuam as apostas. Também é tempo de análise da seleção competitiva, que este ano chegou a 19 títulos, incluindo duas animações, uma do Japão (Suzume), outra da China (Art College 1994) - esta última, um adendo de última hora aos concorrentes ao Urso de Ouro.


Indubitavelmente, ter um gênero destacado assim na competição é um sinal de prestígio, que atesta a qualidade técnica e dramática das duas produções - que apresentam técnicas e representam tradições bastante diferentes.
Art College 1994 é assinada por um veterano da animação chinesa, Liu Jian, que já havia competido em Berlim em 2017 com outra obra do gênero, Hao ji le (Have a Nice Day), que partiu do festival alemão, onde teve sua première, para 50 outros festivais. Além da técnica, muito realista, o filme tem um roteiro, assinado pelo diretor ao lado de Lin Shan, que ambiciona traçar o retrato de uma geração.

Ambientado nos anos 1990 numa escola de arte do sul da China, o enredo acompanha os dilemas de um grupo de jovens alunos, confrontados com suas escolhas de vida, seus amores e também pela entrada massiva de influências da arte ocidental. É muito curioso, para um público ocidental, observar como esses jovens encaram artistas como Beethoven, Debussy e falam de Picasso e Matisse, sendo enraizados numa realidade tão diferente da europeia. Mas esse, afinal, é o ponto.

Uma curiosidade é a voz do premiado cineasta chinês Jia Zhang-ke, emprestada a um artista que estudou na escola do filme e que volta do Ocidente para dar seu depoimento aos alunos.

A turma do anime
Já o concorrente japonês Suzume, de Makoto Shinkai, é o mais típico produto da tradicional escola do anime, com uma aventura repleta de episódios fantásticos vividos pela adolescente Suzume, num filme que tem um apelo marcadamente para um público juvenil. Órfã criada pela tia, a garota de 16 anos conhece um jovem atraente, Souta. Ao segui-lo, envolve-se numa missão mágica, que procura proteger o mundo das constantes invasões de um verme gigantesco, que surge das profundezas e provoca os terremotos. Já lançado no Japão em novembro de 2022, o filme foi a quarta bilheteria do ano naquele país e faz em Berlim sua estreia internacional.

É o tipo de aventura que lembra muito o mestre Hayao Miyazaki, hoje com 82 anos, que legou ao mundo filmes encantadores como A Viagem de Chihiro, que ganhou o Urso de Ouro em Berlim 2002 e o Oscar da categoria um ano depois. Mas, a esta altura do festival 2023, é difícil acreditar que o filme de Shinkai vá repetir o feito.

A hora e a vez dos thrillers
Dirigido por Ivan Sen, Limbo foi um dos representantes do filme noir na seleção 2023. Filmado no interior australiano e com fotografia em preto-e-branco, o filme constroi uma história policial sob o contexto de uma história de exploração e desigualdade dos nativos aborígenes. Na pequena localidade decadente, com um ambiente degradado por resquícios da mineração, chega um policial, Travis Hurley (Simon Baker), com a missão de procurar novos indícios sobre o desaparecimento de uma garota aborígine, 20 anos atrás, que ficou sem solução.

Os irmãos da garota, Charlie (Rob Collins) e Emma (Natasha Wanganeen), são naturalmente desconfiados e reticentes diante da investida inesperada do policial branco. Charlie, anos atrás, foi inclusive preso e acusado pelo desaparecimento da irmã. A investigação de Travis, no entanto, revela muito mais um país que trata muito mal suas populações originais, não-brancas, e da conivência da polícia com os crimes cometidos pelos brancos. O filme tem atmosfera, é enxuto, mas foi apenas satisfatório dentro de um contexto onde outros títulos se destacaram com maiores méritos artísticos.

Também no gênero policial, o último concorrente exibido, já na manhã de sexta (24), foi outro alemão, Bis ans Ende der Nacht (Till the end of the night), do diretor Christoph Hochhäusler. A partir do roteiro de Florian Plumeyer, desenvolve-se uma história tensa envolvendo uma ex-presidiária, Leni (Thea Ehre), que foi solta sob um acordo, para ajudar um policial, Robert (Timocin Ziegler), a infiltrar-se no círculo íntimo de um chefe do tráfico, Victor Arth (Michael Sideris). Mas existe toda uma história pregressa entre Robert e Leni, que foram amantes no passado, antes que Leni resolvesse assumir uma identidade feminina, o que Robert não aceita bem. Esta tensão entre a dupla compromete toda a missão, tornando-a altamente perigosa diante da imprevisibilidade do comportamento de ambos. É um filme bastante dark, inclusive na fotografia de Reinhold Vorschneider, cujos créditos iniciais e finais e a sua música são certamente pontos altos de uma produção que parece querer homenagear Rainer W. Fassbinder com seus personagens perdidos e fatalistas.

Documentário francês
Único representante documental da competição, o francês Sur l’Adamant, do veterano Nicolas Philibert (de Ser e Ter), foi outra representação do novo prestígio que o gênero está encontrando dentro dos festivais, finalmente. Uma prova recente é a vitória do Leão de Ouro em Veneza 2022 do documentário norte-americano All the Beauty and the Bloodshed, de Laura Poitras, que está disputando o Oscar da categoria.

O Adamant do filme é uma unidade não-convencional de atendimento psiquiátrico que funciona numa instalação à beira do rio Sena, em Paris. O filme extrai sua verdade do próprio cotidiano do local, acompanhando diversos pacientes em suas atividades, que incluem música, desenho, expressão corporal e reuniões sobre a própria organização do lugar, como oficinas culinárias e a administração de sua lanchonete.

Além desta observação, através dos depoimentos é possível delinear vários aspectos da complexidade humana e do quanto é relativo o conceito de “normalidade”. Por isso, o filme comove, ainda mais pelo alerta de que esta iniciativa da chamada “psiquiatria humana” corre o risco de ser interrompida. Como lembrou o cineasta na coletiva de imprensa nesta sexta (24), “muito se discute sobre a utilidade de destinar verbas para os esquizofrênicos, tendo em vista que não há garantias de sua cura”. Por isso, destacou a importância deste que é “um pequeno lugar de resistência”.