Entre o intimismo chinês e a guerra dos smartphones
- Por Neusa Barbosa, de Berlim
- 18/02/2023
- Tempo de leitura 3 minutos
Berlim - No primeiro final de semana do festival, o sol deu lugar a uma chuvinha insistente, que não desanimou, no entanto, os espectadores dos filmes, inclusive o público externo, que têm-se acotovelado em longas filas para entrar em salas como o Berlinale Palast, sede do evento.
O concorrente canadense ao Urso de Ouro, Blackberry, de Matt Johnson, adapta o livro Losing the Signal: the Untold Sotry behind the Extraordinary Rise and Spectacular Fall of the Blackberry, de Jacquie McNish e Sean Sicoff, para mergulhar numa das mais dramáticas histórias do mundo empresarial, a dos pioneiros smartphones Blackberry - que terminaram engolidos pelo advento do Iphone.
O filme traz de volta um enredo talvez menos conhecido dos muitos clientes que viveram a febre desse telefone, nos anos 1990, apresentando a turma de nerds maluquinhos que o inventaram, chefiados pela dupla de amigos Mike Lazaridis (Jay Baruchel) e Doug (Matt Johnson), na empresa canadense Research in Motion.
Esse começo alternativo e romântico, que logo é apropriado por um executivo tubarão com visão de negócios e muito apetite de lucro, Jim Balsillie (Glenn Howerton), tem, é claro, grande interesse e deveria ter sua graça na tela. Só que não. O diretor prolonga em duas horas uma narrativa à qual falta ritmo, com personagens que não despertam empatia e sem a menor condição de tecer um comentário irônico ou sagaz à ferocidade dos modelos capitalistas, como se vê em O Lobo de Wall Street, para ficar num exemplo. Sintetizando: é um filme arrastado, sem personalidade e cuja seleção para a competição principal em Berlim causa alguma perplexidade.
O filme, em todo caso, teve seus direitos de distribuição adquiridos pela Paramount.
Intimismo na China
Já o concorrente chinês Bai Ta Zhi Guang (The Shadowless Tower), do veterano Zhang Lu, caminhou numa direção bem mais firme e cativante, em torno de personagens contemporâneos de Pequim. Os principais são o crítico gastronômico Gu Wentong (Bai Qing Xin), um homem divorciado na meia-idade, pai de uma filha pequena, que mora com a irmã dele e o cunhado - porque o casal mantém um núcleo familiar mais estruturado. O pai, no entanto, visita a menina diariamente e mantém um relacionamento afetivo muito próximo com ela.
Os problemas familiares são outros, como a partida, há muitos anos, do pai, também chamado Gu (Tian Zhuangzhuang), e cuja ausência é um trauma nunca muito discutido entre seus filhos. Mais tarde, Gu filho terá notícias dele, armando uma reaproximação complicada, levada com bastante sutileza.
Outro relacionamento central aqui é entre Gu Wentong e a jovem fotógrafa que está trabalhando para ele, Ouyang (Yao Huang). A moça é independente, divertida, inusitada, e injeta uma energia peculiar à vida de Gu e ao filme como um todo, que é bastante correto, deve estabelecer uma conexão com um público amplo - e universal até, devido aos elementos retratados. Nota-se, como é comum em filmes chineses, uma quase total ausência de um contexto ou comentários políticos e um erotismo muito controlado, praticamente ausente - no máximo, um beijo extremamente pudico entre o par principal.