21/01/2025

Cinco concorrentes à procura de um Urso de Ouro


Berlim - A diversidade sexual marcou presença na competição com a passagem do concorrente espanhol 20.000 Especies de Abejas, da diretora estreante Estibaliz Urresola Solaguren, que desenvolve um roteiro original em torno de um menino de 8 anos, Aitor (Sofía Otero), que não se ajusta na identidade masculina. Ele quer ser uma menina, um desejo com o qual experimenta toda espécie de conflito interior, além da perplexidade que causa em sua família.

Passando o verão no País Basco, na casa da avó, com a mãe, Ane (Patricia López Arnaiz), e os irmãos, no momento em que há um processo em curso de separação do pai, Gorka (Martxelo Rubio), Aitor procura entender o que se passa consigo e encontrar, afinal, o nome pelo qual quer ser chamada - porque é certo que se sente uma menina, ainda que nada seja tranquilo aí. Uma voz da razão dentro da família é a tia Lourdes (Ane Gabarain), única que ouve realmente essa criança e oferece sugestões de aceitação e acolhimento. Mas esta família não está, certamente, preparada para isto, trilhando o caminho da crise e do melodrama, qu atinge um tom acentuado - eventualmente, um pouco demais, apesar da seriedade e do empenho de todo o projeto e do indiscutível acerto, também neste caso, na seleção da protagonista infantil (como ocorreu no drama mexicano Tótem, de Lila Avilés).


Incêndio a fogo lento
Concorrendo pela sétima vez ao Urso de Ouro - vencendo um Urso de Prata de direção em 2012 com Barbara -, o veterano alemão Christian Petzold inova em Roter Himmel (Afire), uma história com muitos tons e camadas em torno de um quarteto de personagens. Mais uma vez, ele escala a magnética Paula Beer (protagonista de Undine), como Nadja, uma personagem inusitada, cheio de erotismo e energia, que divide uma casa de praia com dois homens, Felix (Langston Uibel), filho da dona da casa, e seu amigo, Leon (Thomas Schubert).

A ideia é que Felix complete seu portfólio para concorrer a uma vaga numa escola de arte e Leon, um escritor, consiga levar adiante seu segundo livro. Mas, desde a viagem, obstáculos se acumulam no caminho. O carro dos dois quebra e eles têm que dividir a casa com essa mulher desconhecida, cuja presença não era esperada. Hábil roteirista, Petzold explora as expectativas frustradas especialmente de Leon, que tudo observa mas é o que menos tem coragem de seguir os próprios impulsos. Enquanto isso, outros elementos entram no ambiente, como a ameaça de incêndios florestais na região e a presença de um salva-vidas, Devid (Enno Trebs), que aumenta a temperatura erótica entre o quarteto.

Uma das grandes qualidades do diretor e roteirista alemão é conseguir atingir notas diferentes numa mesma narrativa, alternando drama e comédia de uma forma bastante rica e equilibrada. Por isso, seu filme fala de muitas coisas e emana tantos sentimentos, abrindo uma perspectiva coral que o torna tão aberto a interpretações.

Bonecos mambembes
Já o concorrente francês Le Grand Chariot, do veterano Philippe Garrel, por sua vez, foi bem menos entusiasmante, andando dentro da rotina mediana desse realizador, que escala no elenco seus três filhos, Louis Garrel, Esther Garrel e Léna Garrel, vivendo igualmente na tela três irmãos.

Ao lado de seu pai (Aurélien Recoing), o trio atua numa companhia de teatro de bonecos, mantendo viva uma comunidade um tanto autocentrada, em que os membros se apóiam mutuamente mas há um certo cansaço, um desejo de ruptura.

A doença do pai e a fragilização mental da avó (Francine Bergé) expõe mais estes três jovens a procurar uma saída deste seu núcleo protegido, uma espécie de ninho do qual hesitam em partir. E os amores que vêm e vão, em torno de Pieter (Damien Mongin), Laure (Asma Messaoudene) e Héléne (Mathilde Weil), fornecem trilhas emocionais para que o trio expresse outras emoções. Ainda assim, o desenvolvimento deixa a desejar, apesar de que o roteiro a quatro mãos tem entre seus autores o brilhante Jean-Claude Carrière, falecido em 2021. É nítido que as ideias do roteiro não parecem ter encontrado uma expressão tão fluida e natural quanto poderiam, por limitações deste diretor. E é fácil imaginar o que um Éric Rohmer teria feito com esta mesma história, ainda mais contando com este inegável bom elenco.

Jornadas difíceis
Dois filmes da competição constituíram jornadas bem difíceis para seus espectadores, oferecendo percursos herméticos, exigentes e eventualmente exasperantes. Foi o caso de outro concorrente alemão, Music, de Angela Schanelec, diretora que venceu em Berlim um Urso de Prata de direção em 2019 por Eu Estava em Casa mas… Realizadora rigorosa, Schanelec se inspira ne tragédia grega de Édipo Rei e filma na Grécia uma história elíptica em torno de Jon (Aliocha Schneider) e Iro (Agathe Bonitzer).

Adotado por um casal depois de ser abandonado, ainda bebê, Jon envolve-se numa morte acidental, conhecendo na prisão a vigilante Iro, com quem finalmente se casa. A história dos dois toma outros rumos, inclui outras pessoas mas é tudo, menos linear. De tempos em tempos, o caminho de Jon é cortado por uma morte e ele, como Édipo, também está perdendo a visão - mas não se trata de nenhuma transposição literal da tragédia de Sófocles. De todo modo, é um filme construído com uma linguagem severa, calcada muito mais nos achados da fotografia enxuta de Ivan Markovic do que propriamente em diálogos - que são poucos, muito poucos, lembrando o cinema praticado pelo casal Danièlle Huillet e Jean-Marie Straub, estilo ao qual esta diretora alemã se vincula.

Mais difícil ainda foi o concorrente português Mal Viver, drama em que o diretor João Canijo cria um huis clos num hotel, onde mulheres de uma mesma família se degladiam impiedosamente, numa inspiração declarada no dramaturgo sueco August Strindberg. São elas Sara (Rita Blanco), suas filhas Piedade (Anabela Moreira) e Raquel (Cleia Almeida), e sua sobrinha Angela (Vera Barreto). Ali confinadas e vivendo uma dinâmica emocional muito peculiar, elas assistem à volta da filha de Piedade, Salomé (Madalena Almeida). A moça chega, depois da morte do pai com quem vivia, com uma bagagem de cobranças profundas à mãe, com quem deixou de viver desde os 12 anos.

O que se forma entre essas mulheres é um jogo de palavras ácidas e cruéis, que as aprisiona inapelavelmente num jogo sufocante - assim também para o espectador -, em que o tom misógino incomoda demais, apesar de contar com um elenco tão qualificado de atrizes.