08/09/2024

Cannes à espera da Palma de Ouro 2023


Cannes
- Em sua reta final, Cannes trouxe boas notícias para o cinema brasileiro, com a premiação do elenco de A Flor do Buriti (foto ao lado), de João Salaviza e Renée Nader Messora, na seção Un Certain Regard. Como se trata de uma produção que retrata os indígenas Krahô, do norte de Tocantins, com seu total envolvimento na produção, roteiro e atuação, o prêmio ganhou ainda mais significado na luta pelos direitos dos povos indígenas no Brasil, mais uma vez ameaçados pelo marco temporal - o que foi objeto de um protesto, com faixas no tapete vermelho, por parte da equipe do filme, dias atrás.


Num dia em que começaram a ser divulgados prêmios paralelos - o anúncio da Palma de Ouro e outros prêmios da seção principal serão na noite deste sábado (27) -, ficou para o drama japonês Monster, de Hirokazu Kore-eda a Palm Queer, que contempla temáticas LGBT - e Kore-eda o faz com sua habitual delicadeza e intensidade, num filme que retrata angústias da infância.

Últimos concorrentes
Enquanto a Palma não sai, passaram por aqui nesta tarde e noite de sexta os dois últimos candidatos, o filme italiano La Chimera, de Alice Rohrwacher, e o inglês The Old Oak, de Ken Loach.

A atriz brasileira Carol Duarte - intérprete de A Vida Invisível, de Karim Aïnouz, grande vencedor do Un Certain Regard há 4 anos atrás - é um destaque no elenco de La Chimera, falando italiano e no papel de Itália, uma jovem mãe solteira, que esconde suas duas crianças numa grande casa, onde trabalha como empregada e aluna de canto de uma senhora excêntrica (Isabella Rossellini).

A história segue o estilo de realismo fantástico que a diretora italiana consagrou em obras anteriores, como Feliz como Lázaro (2018) e As Maravilhas (2014), desenvolvendo um relato em torno de um inglês, Arthur (Josh O’Connor), fascinado por arqueologia e que acaba fazendo seu sustento do roubo e da venda de objetos tirados das tumbas etruscas abandonadas que são comuns na região onde ele vive.

La Chimera destaca-se por uma narrativa original, pontuada por música em torno destes seres perdidos que são Arthur, Itália e seus amigos, e que tem, como sempre, uma participação especial da irmã da diretora, Alba Rohrwacher.

Seguindo sua trajetória realista e centrada nos problemas sociais do mundo, Ken Loach volta seu foco para a inserção de refugiados sírios numa cidadezinha decadente no norte da Inglaterra para montar uma reflexão sobre intolerância no pungente The Old Oak. Trata-se de um pub, pertencente a TJ Ballantyne (Dave Turner), como todos na cidade, parte de uma comunidade de antigos mineiros de carvão, atividade que ali sustentou a economia e um movimento operário muito forte em décadas passadas. Tudo isso acabou e Loach não perde a oportunidade, mais uma vez ao lado de seu habitual roteirista, Paul Laverty, de encontrar a similaridade entre a vulnerabilidade dos refugiados sírios e destes trabalhadores ingleses empobrecidos pelo neoliberalismo.

Por tudo isso, o filme de Loach torna-se um dos títulos desta competição que acenaram para o humanismo, ao lado do citado Monster, de Kore-eda, e também de outros títulos, como o finlandês Fallen Leaves, de Aki Kaurismaki, Il Sol dell’Avvenire, de Nanni Moretti, Perfect Days, de Wim Wenders, e Les Filles d’Olfa, docudrama da tunisiana Kaouther Ben Hania. Independente de que sejam premiados ou não, sem dúvida, ofereceram um farol para um mundo à procura de novos rumos, abalado pelos efeitos da pandemia e por guerras intermináveis, como a da Ucrânia.

Palpites
A esta altura, pode-se fazer apostas de Palma de Ouro, que cairia muito bem nas mãos do britânico Jonathan Glazer, que atingiu uma originalidade reflexiva sobre o Holocausto em The Zone of Interest, uma precisa interpretação da obra do escritor Martin Amis.

Um prêmio de atriz mais do que justo seria para a alemã Sandra Hüller, que atuou duplamente, como uma dona-de-casa convictamente nazista no citado The Zone of Interest e num outro concorrente de peso, Anatomie d’une Chute, de Justine Triet, interpretando uma escritora suspeita de assassinato. Como ator, o japonês Koji Yakucho, de Perfect Days, parece uma aposta consistente, embora o inglês Jude Law, intérprete de Henrique VIII em Firebrand, drama de época do brasileiro Karim Aïnouz, apareça em muitas bolsas de apostas.


Evidentemente, num festival com tantas estrelas, como os norte-americanos Wes Anderson (Asteroid City) e Todd Haynes (May December), além do veterano italiano Marco Bellocchio, em grande forma em Rapito, tudo pode acontecer - até a Palma ir na direção de um nome surpreendente. Que seja uma boa surpresa.